Aqui dois trechos de poemas do livro
DILÚVIO MUDO - NATALIA AMOREIRA
| Lançamento dia 18 de novembro - RJ |
Arcano
XIII A Morte
Ela
virá vestindo veludo escuro manto bordado com pelo felpudo fino
couro de mil mariposas
armazenadas
em potes, potes e mais potes,
olhos
e estômago nas costas,
como
uma raposa farejando os restos,
ganindo
fora da sua barraca.
Olha
ela lá.
Não
adianta correr na direção oposta,
pois
opostos são todos os caminhos assim que pisam os pés.
Dois
corpos em pilha já formam uma dama num tabuleiro cruzado
preto
e branco
harpias
aureolam
apontam
seus olhos para o pedaço de corpo
luzindo
entre os escombros.
Olhe
o horinzonte e se apronte.
Daqui
em diante vais imitá-lo.
Veja
que não está de pé, sentado ou ajoelhado.
Apenas
jaz deitado, enquanto o sol e a lua
tratam
de manivelar o tempo,
enquanto
uivam os ventos
e
maduram as romãs.
São
doces os frutos da noite.
Você
implorará pelo açoite
quando
a carne ficar pesada feito saco de batata.
Com
as batatas, seja tubérculo.
Debaixo
da terra,
rogue
ao seu sangue que jorre até findar,
é
útil regar o corpo que recém partiu.
Para
isso ela vem.
[…]
Aceite
quando ela lhe oferecer a mão.
Ande
mulher, não a obrigue a te levar a força.
Não
se justifique
dizendo
que ainda é moça,
que
nunca foi amada,
que
sua vida está toda ensaiada,
que
não acabou de lavar a louça
ou
que até este momento,
não
provara sapoti.
[…]
Você
sabe,
você
já foi carvalho.
As
marcas do machado
sangram
frescas na madeira.
Esqueça
de desinfetar,
ofereça-se
às bactérias,
acabe
com esta fome.
Esta
carne roxa.
Banquete
pros trabalhadores da terra.
É
uma felicidade servir de alimento, você verá.
[…]
| Fotos_ Érica Castilho |
Sob
a Sombra das Amoreiras
Levanto
e não sei o que fazer com as palavras que não te digo.
Poderia
usá-las diluídas em água para amaciar as roupas,
ou
como suplemento para as plantas.
Não
sei que uso dar aos arranhões que minhas unhas não cravam em suas
costas.
Poderia
usar esta energia ardente para arar um terreno
e
deixá-lo em fileiras peneiradas de terra fofa para receber sementes
com
a mesma eficácia dos dedos passando entre seus cabelos feito
rastelo.
Tampouco
sei o que faço com os beijos que tive medo tascar em ti
que
estes parecem ainda só seus e ninguém tasca,
mas
procuro comer coisas geladas e coloridas para anestesiar a boca,
sorvete
de limão, açaí sem xarope
que
neste - gosto verde azedo purificador ou gosto forte de terra lilás
-
tem
você e ainda doce.
Não
sei aonde enfio os cheiros que roubei da curva entre sua orelha e o
pescoço.
Ficam
atrevidos me fitando dentro do guarda-roupa
mas
não combinam com nada que penso em usar
e
ao mesmo tempo tenho um sonho ousadia
de
sair apenas vestindo os cheiros e nada mais
como
nos sonhos em que usamos roupa de baixo na multidão.
[...]
Deitar-me-ei
em verdes pastos
guiada
mansamente por águas tranquilas
à
sombra onipotente das amoreiras
me
recolho e vou às profundezas do espírito.
Me
alinho em paz
sublimo,
quase levito.
Então
amoras tombam pequetitas
sangram
meu vestido branco,
lembram
que tenho um corpo.
Que
você não tocou.
Um
dos seres silvestres que escorre na minha testa
entra
no olho esquerdo,
deixa
pegadas com suas patinhas vermelhas na retina
faz
a volta no hipotálamo
e
escorre por meu olho direito fazendo dele tobogã.
Dói.
Atrás
dele escorre uma lágrima salgada
menos
pelo trauma do cisco
que
pela revelação.
Me
caem sob a cabeça estas bolotas vermelhas,
decido
mastigar.
Não
desejo a ninguém esta tristeza
de
provar fruta podre
ou
de acordar no ponto final em outra cidade porque dormiu, de chegar de
estômago vazio depois que a macarronada acabou ou
desenvolver
obesidade na meia idade porque foi apegado ao útero e nasceu quase
aos dez meses.
Observo
o vasto campo e lamento inconsolável
todo
alimento da terra que cumpre seu ciclo sem atender a um faminto
sequer.
Se
caem sob minha cabeça as amoras
é
tão somente porque estão passadas,
no
tempo de serem devolvidas ao chão de onde vieram.
Se
caem sob a minha cabeça os amores podres,
é
a minha gestação esgarçada;
é
falta da coragem de subir alto no tronco
e
te pegar
madura
no pé
Natalia Amoreira é filha de Ogum com Iemanjá e pertence à falange dos Jaguatiricurumins.
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