quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Dilúvio Mudo: Uma Arcana Jornada - Natalia Amoreira [Lançamento dia 18 de novembro - RJ]









Aqui dois trechos de poemas do livro

DILÚVIO MUDO - NATALIA AMOREIRA

| Lançamento dia 18 de novembro - RJ |






Arcano XIII A Morte

Ela virá vestindo veludo escuro manto bordado com pelo felpudo fino couro de mil mariposas
armazenadas em potes, potes e mais potes,
olhos e estômago nas costas,
como uma raposa farejando os restos,
ganindo fora da sua barraca.

Olha ela lá.

Não adianta correr na direção oposta,
pois opostos são todos os caminhos assim que pisam os pés.

Dois corpos em pilha já formam uma dama num tabuleiro cruzado
preto e branco
harpias
aureolam
apontam seus olhos para o pedaço de corpo
luzindo entre os escombros.

Olhe o horinzonte e se apronte.
Daqui em diante vais imitá-lo.
Veja que não está de pé, sentado ou ajoelhado.
Apenas jaz deitado, enquanto o sol e a lua
tratam de manivelar o tempo,
enquanto uivam os ventos
e maduram as romãs.

São doces os frutos da noite.
Você implorará pelo açoite
quando a carne ficar pesada feito saco de batata.
Com as batatas, seja tubérculo.
Debaixo da terra,
rogue ao seu sangue que jorre até findar,
é útil regar o corpo que recém partiu.

Para isso ela vem.

[…]

Aceite quando ela lhe oferecer a mão.
Ande mulher, não a obrigue a te levar a força.

Não se justifique
dizendo que ainda é moça,
que nunca foi amada,
que sua vida está toda ensaiada,
que não acabou de lavar a louça
ou que até este momento,
não provara sapoti.

[…]

Você sabe,
você já foi carvalho.
As marcas do machado
sangram frescas na madeira.

Esqueça de desinfetar,
ofereça-se às bactérias,
acabe com esta fome.
Esta carne roxa.
Banquete pros trabalhadores da terra.
É uma felicidade servir de alimento, você verá.


[…]







| Fotos_ Érica Castilho |






Sob a Sombra das Amoreiras


Levanto e não sei o que fazer com as palavras que não te digo.
Poderia usá-las diluídas em água para amaciar as roupas,
ou como suplemento para as plantas.

Não sei que uso dar aos arranhões que minhas unhas não cravam em suas costas.
Poderia usar esta energia ardente para arar um terreno
e deixá-lo em fileiras peneiradas de terra fofa para receber sementes
com a mesma eficácia dos dedos passando entre seus cabelos feito rastelo.

Tampouco sei o que faço com os beijos que tive medo tascar em ti
que estes parecem ainda só seus e ninguém tasca,
mas procuro comer coisas geladas e coloridas para anestesiar a boca,
sorvete de limão, açaí sem xarope
que neste - gosto verde azedo purificador ou gosto forte de terra lilás -
tem você e ainda doce.

Não sei aonde enfio os cheiros que roubei da curva entre sua orelha e o pescoço.
Ficam atrevidos me fitando dentro do guarda-roupa
mas não combinam com nada que penso em usar
e ao mesmo tempo tenho um sonho ousadia
de sair apenas vestindo os cheiros e nada mais
como nos sonhos em que usamos roupa de baixo na multidão.

[...]

Deitar-me-ei em verdes pastos
guiada mansamente por águas tranquilas
à sombra onipotente das amoreiras
me recolho e vou às profundezas do espírito.

Me alinho em paz
sublimo, quase levito.

Então amoras tombam pequetitas
sangram meu vestido branco,
lembram que tenho um corpo.
Que você não tocou.

Um dos seres silvestres que escorre na minha testa
entra no olho esquerdo,
deixa pegadas com suas patinhas vermelhas na retina
faz a volta no hipotálamo
e escorre por meu olho direito fazendo dele tobogã.

Dói.

Atrás dele escorre uma lágrima salgada
menos pelo trauma do cisco
que pela revelação.

Me caem sob a cabeça estas bolotas vermelhas,
decido mastigar.
Não desejo a ninguém esta tristeza
de provar fruta podre
ou de acordar no ponto final em outra cidade porque dormiu, de chegar de estômago vazio depois que a macarronada acabou ou
desenvolver obesidade na meia idade porque foi apegado ao útero e nasceu quase aos dez meses.

Observo o vasto campo e lamento inconsolável
todo alimento da terra que cumpre seu ciclo sem atender a um faminto sequer.

Se caem sob minha cabeça as amoras
é tão somente porque estão passadas,
no tempo de serem devolvidas ao chão de onde vieram.

Se caem sob a minha cabeça os amores podres,
é a minha gestação esgarçada;
é falta da coragem de subir alto no tronco
e te pegar
madura no pé









Natalia Amoreira é filha de Ogum com Iemanjá e pertence à falange dos Jaguatiricurumins.















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